Relógio dourado em fundo azul escuro

Dentre os vários relógios
Disponíveis em várias das lojas
Do Paraguai na década de 80
Esse foi o escolhido
Por meu pai
Para acompanhá-lo
Em vários momentos da vida

Esse relógio dourado presenciou
Formatura de filhos
Casamento de filhos
Nascimento de netos
Enterros de irmãos, parentes, amigos
Festas
Bodas de ouro
Bodas de diamantes

Esse relógio dourado compareceu a
Jogos de futebol
Balés
Consultas médicas
Missas
Almoços de família
Visitas
Velórios

Esse relógio dourado era usado
Por meu pai
Todos os dias
Tirava para tomar banho
Dormir
Às vezes ficava próximo do travesseiro
Ou em cima da mesa
Tinha que usá-lo
E estava sempre exato

Esse relógio dourado espera
Agora
Outro pulso

Cinto marrom de couro, carteira de identidade e uma nota de 5 reais, colocadas em cima de um fundo azul escuro

Nas calças
Dependuradas no gancho do espelho
Estavam o cinto, a carteira de identidade e o dinheiro
Ele não fica sem essas três coisas
Mesmo dentro de casa

O cinto
Por ser bem magro, é necessário
Para manter as calças no lugar
E sempre combinando
Nunca um marrom com calça preta

A carteira de identidade
Caso precise se identificar
Mesmo ali na frente de casa
Mesmo com toda a idade dele

O dinheiro
Caso tenha que pagar por algo
Cinco, dez, cinquenta
Qualquer valor
Pelo menos uma nota

Itens pessoais
Itens essenciais
Para a pessoa que ele é

Os chinelos.
Os remédios.
As fraldas.
Os lenços umedecidos.
O pijama.
O termômetro.
O xampu.
O sabonete líquido.
O oxímetro.
O aparelho de barbear.
As meias.

Uma parte de uma vida, representada em uma pequena bolsa.

Como dói, como dói.

Lista de álbuns de 2018 e meus preferidos

Todo ano eu tento fazer uma listagem de álbuns lançados no ano que ouvi e quais foram meus preferidos, mas a desorganização sempre venceu e a tal lista ficava só na vontade. Não nesse ano. 🙂
Ouvi 168 álbuns lançados em 2018 (por volta de 3 álbuns por semana). Alguns de artistas que gosto e que sigo a carreira, vários de artistas que conhecia e muitos de artistas que não tinha ouvido falar anteriormente.

Preferidos de 2018

Desses 168 álbuns, 14 foram os meus preferidos. Os critérios adotados para a escolha foram relativamente simples: são os álbuns que ouvi múltiplas vezes, que tinham músicas que achava legais ou instigantes e, mais importante, que me davam vontade de ouvir. São aqueles álbuns que eu me pegava lembrando deles e que, invariavelmente, ia ouvir na sequência.

Sem mais delongas, vai abaixo os meus álbuns preferidos, em ordem alfabética do nome do artista ou banda, com um breve comentário sobre cada um (para ouvir o álbum no Spotify, basta clicar nos nomes do artista ou do álbum):

Amber MarkConexão (R&B)

Imagem da capa do álbum "Conexão" da Amber Mark

Esse EP é o sucessor do álbum de estréia da Amber Mark, “3:33 AM” de 2017. São 4 faixas perfeitas, incluindo uma cover da “Love Is Stronger Than Pride” da Sade

Ava RochaTrança (MPB)

Imagem da capa do álbum "Trança" da Ava Rocha

Cheguei no terceiro álbum da Ava Rocha via o “Release Radar”, que colocou na lista de lançamentos a ótima “Joana Dark”. Mistura de elementos de percussão de umbanda, MPB, rock e tropicália, é um álbum que foi melhorando a cada vez que ouvia. Além da “Joana Dark”, outras faixas preferidas são “Lilith” e “João Três Filhos”.

Baco Exu do BluesBluesman(Rap)

Capa do álbum "Bluesman" do Baco Exu do Blues

O melhor resumo para esse álbum vem do seguinte trecho da faixa título, Bluesman:
A partir de agora considero tudo blues
O samba é blues, o rock é blues, o jazz é blues
O funk é blues, o soul é blues
Eu sou Exu do Blues
Tudo que quando era preto era do demônio
E depois virou branco e foi aceito eu vou chamar de Blues
É isso, entenda
Jesus é blues
Falei mermo

Além dessa faixa, outras que são bacanas são “Me Desculpa Jay Z”, “Minotauro de Borges” e “Preto e Prata”.

DJ KozeKnock Knock (Electronic / House)

Imagem da capa do álbum "Knock Knock" do DJ Koze

16 faixas que variam de músicas bem dançantes, como as ótimas “Illumination” (com a Róisín Murphy), e “Pick Up” (baseada num sampler da “Neither One Of Us” da Gladys Knight & The Pips), a outras mais tranquilas e reflexivas, como “Club der Ewigkeiten” e “Drone Me Up, Flashy”. Daqueles álbuns de ouvir de uma vez só, sem pular nenhuma faixa.

Elza SoaresDeus É Mulher (Art Rock)

Capa do álbum "Deus É Mulher" da Elza Soares

Depois do fantástico “A Mulher do Fim do Mundo”, a Elza Soares continua mantendo a qualidade do trabalho anterior. Mesmo saindo do samba sujo e indo pra uma pegada mais rock, as músicas continuam tendo o mesmo tom crítico do disco anterior. As faixas que mais gostei são “Exu Nas Escolas”, “Hienas Na TV”, “Credo” e “Dentro De Cada Um”.

GwennoLe Kov (Indie Pop)

Capa do álbum "Le Kov" da Gwenno

A música “Tir Ha Mor” (Terra e Mar) apareceu um dia na “Discover Weekly”, agradei do vocal e da música, resolvi ouvir o álbum e acabou que achei muito bacana, mesmo não entendendo uma palavra de cornualhês (sic). Outras músicas que curti são “Jynn-amontya” e “Aremorika”.

Jack WhiteBoarding House Reach (Experimental Rock)

Capa do álbum "Boarding House Reach" do Jack White

Na primeira vez que ouvi o novo álbum do Jack White, não achei nada demais; na segunda já achei mais interessante, mas ainda nada especial. Só na terceira que a ficha caiu. É o Jack White um pouco diferente dos trabalhos anteriores, experimentando mais e fazendo um som mais inesperado. “Connected By Love”, “Corporation”, “Over and Over and Over” e “Respect Commander” merecem a audição.

Kali Uchis – Isolation (Pop / Psychedelic Pop)

Capa do álbum "Isolation" da Kali Uchis

Uma das gratas surpresas do ano. O que poderia ser um álbum totalmente desarticulado, por ter praticamente cada música de um estilo diferente (bossa nova, pop, regaetton, soul, entre outros), acaba por bem coeso e servir como uma demonstração da capacidade da Kali Uchis de navegar por esse emaranhado musical sem se perder. Gostei de todas as músicas, mas destaco as “Body Language”, ” Flight 22″, “Tyrant” e “After The Storm”.

MGMTLittle Dark Age (Synthpop / Indie)

Imagem da capa do álbum "Little Dark Age" do MGMT

A melhor definição que vi para esse álbum foi a de “trilha sonora perfeita para bailinho dos anos 80”. Destaque para as músicas “Little Dark Age”, “Me and Michael”, “TSLAMP” e “Hand it Over”.

Parquet CourtsWide Awake! (Art Punk / Rock)

Imagem da capa do álbum "Wide Awake!" do Parquet Courts

Punk modernizado para o final dos anos 2010. “Wide Awake” entra fácil em qualquer lista das melhores músicas de 2018. Além dessa, outras que gostei bastante são “Almost Had To Start a Fight / In and Out Of Patience” e “Total Football”

RobynHoney (Dance / Pop)

Imagem da capa do álbum "Honey" da Robyn

Robyn é uma daquelas artistas que eu tinha uma preguiça imensa. Lia muito a respeito, via o tanto de elogio sobre os discos anteriores, mas, sei lá, meu santo nunca bateu com o dela. Então fui ouvir esse álbum com um bocado de preguiça, mas com o coração aberto. E foi amor à primeira ouvida. 🙂 Agradou tanto que vou revisitar aos álbuns antigos dela. Destaco “Missing U”, “Beach2k20”, “Ever Again” e “Honey”.

ROSALÍAEl Mal Querer (Flamenco / Pop)

Imagem da capa do álbum "El Mal Querer" da ROSALÍA

Rosalía faz o casamento perfeito entre o flamenco com a música pop, e traz o ritmo para a atualidade, sem soar artificial ou caricata. Gostei especialmente de “MALAMENTE (Cap.1: Augurio)”, “PIENSO EN TU MIRÁ (Cap.3: Celos)” e “BAGDAD (Cap.7: Liturgia)”. Aliás, o vídeo de “MALAMENTE (Cap.1: Augurio)” é uma obra-prima.

SOPHIEOIL OF EVERY PEARL’S UN-INSIDES (Electronic / Experimental)

Imagem da capa do álbum "OIL OF EVERY PEARL'S UN-INSIDES" da SOPHIE

Dos 14 álbuns, esse é o que, na minha opinião, mais aponta para o futuro do que será a música. Arranjos incomuns e camadas de sons diferentes aparecem em todas as músicas, desde as mais ‘acessíveis’, como “It’s Okay To Cry”, “Is It Cold In The Water?” e a bela “Infatuation”, como as mais experimentais (“Ponyboy” e “Faceshopping”).

U.S. GirlsIn a Poem Unlimited (Pop / Psychedelic Pop)

Imagem da capa do álbum "In a Poem Unlimited" do U.S. Girls

Outro álbum que é uma coleção de músicas de diferentes estilos, mas que também funciona muito bem. “Mad As Hell”, “Rosebud” e “Time” são destaque.

Para quem quiser ouvir os álbuns, eles estão nessa playlist do Spotify

Playlist “Preferidos de 2018”, com os álbuns listados acima

Menções Honrosas

Além dos 14 álbuns preferidos, os 17 álbuns abaixo também frequentaram bem a minha playlist e merecem ser destacados (para ouvir o álbum no Spotify, basta clicar nos nomes do artista ou do álbum):

  1. Anna CalviHunter
  2. Arctic MonkeysTranquility Base Hotel & Casino
  3. Beach House7
  4. Christine and the QueensChris
  5. Cornelia MurrLake Tear of the Clouds
  6. DUDA BEATSinto Muito
  7. Georgia Anne MuldrowOverload
  8. Gilberto GilOK OK OK
  9. Janelle MonáeDirty Computer
  10. John ColtraneBoth Directions At Once: The Lost Album (Deluxe Version)
  11. Kamasi WashingtonHeaven and Earth
  12. Meshell NdegeocelloVentriloquism
  13. MULAMBAMulamba
  14. Natalie PrassThe Future And The Past
  15. NonameRoom 25
  16. Snail MailLush
  17. TirzahDevotion

A Lista Completa

  1. The 1975A Brief Inquiry Into Online Relationships
  2. Adrian Younge & Ali Shaheed MuhammadThe Midnight Hour
  3. Against All Logic2012 – 2017
  4. Alexis TaylorBeautiful Thing
  5. Alice CaymmiAlice
  6. Alice In ChainsRainier Fog
  7. Alina BarazThe Color Of You
  8. alt-JReduxer
  9. Amber MarkConexão – EP
  10. Amen DunesFreedom
  11. Amerie4AM Mulholland
  12. AmerieAfter 4AM
  13. Anna CalviHunter
  14. Arctic MonkeysTranquility Base Hotel & Casino
  15. Ariana GrandeSweetener
  16. Art BrutWham! Bang! Pow! Let’s Rock out!
  17. Ava RochaTrança
  18. Baco Exu do BluesBluesman
  19. Beach House7
  20. Belle & SebastianHow To Solve Our Human Problems (Parts 1-3)
  21. Belô VellosoThe Old Fashioned Way
  22. Black FoxxesReiði
  23. Blood OrangeNegro Swan
  24. BoycrushDesperate Late Night Energy
  25. boygeniusboygenius
  26. The BreedersAll Nerve
  27. Calibro 35DECADE
  28. CambrianaManaus Vidaloka
  29. Car Seat HeadrestTwin Fantasy
  30. Carne DoceTônus
  31. Caroline RoseLONER
  32. The CartersEVERYTHING IS LOVE
  33. Cat PowerWanderer
  34. CHICIt’s About Time
  35. Christina AguileraLiberation
  36. Christine and the QueensChris
  37. ChromeoHead Over Heels
  38. Clara AnastáciaAnastácia
  39. Confidence ManConfident Music for Confident People
  40. Cornelia MurrLake Tear of the Clouds
  41. Courtney BarnettTell Me How You Really Feel
  42. David ByrneAmerican Utopia
  43. DJ KozeKnock Knock
  44. DJ SeinfeldDJ-Kicks (DJ Seinfeld) [Mixed Tracks]
  45. Django DjangoMarble Skies
  46. DjongaO MENINO QUE QUERIA SER DEUS
  47. Drik BarbosaEspelho
  48. DUDA BEATSinto Muito
  49. Echo & the BunnymenThe Stars, The Oceans & The Moon
  50. Eddie PalmieriFull Circle
  51. Elle KingShake The Spirit
  52. Elza SoaresDeus É Mulher
  53. Empress OfUs
  54. Erasmo CarlosAmor É Isso
  55. Esperanza Spalding12 Little Spells
  56. Ezra FurmanTransangelic Exodus
  57. Father John MistyGod’s Favorite Customer
  58. Franz FerdinandAlways Ascending
  59. Gal CostaA Pele do Futuro
  60. Georgia Anne MuldrowOverload
  61. Gilberto GilOK OK OK
  62. The Good, the Bad & the QueenMerrie Land
  63. GorillazThe Now Now
  64. Greta Van FleetAnthem Of The Peaceful Army
  65. Gui AmabisMiopia
  66. GumesBb
  67. GwennoLe Kov
  68. Halo MaudJe Suis Une île
  69. HookwormsMicroshift
  70. HueybandMa
  71. IDLESJoy as an Act of Resistance.
  72. IllyVoo Longe
  73. The InternetHive Mind
  74. InterpolMarauder
  75. Irmão VictorCronópio?
  76. Jack WhiteBoarding House Reach
  77. Janelle MonáeDirty Computer
  78. JazzanovaThe Pool
  79. Joan As Police WomanDamned Devotion
  80. John ColtraneBoth Directions At Once: The Lost Album (Deluxe Version)
  81. JojiBALLADS 1
  82. Jonathan TadeuSapucaí
  83. Jonathan WilsonRare Birds
  84. Jonathan WilsonRare Birds
  85. Jorja SmithLost & Found
  86. José JamesLean On Me
  87. JosyaraMansa Fúria
  88. Julia HolterAviary
  89. Kacey MusgravesGolden Hour
  90. Kali UchisIsolation
  91. Kamasi WashingtonThe Choice
  92. Kamasi WashingtonHeaven and Earth
  93. Karol ConkáAmbulante
  94. Kero Kero BonitoTime ‘n’ Place
  95. Kurt VileBottle It In
  96. Laura LavieriDesastre Solar
  97. LUMPLUMP
  98. Laurel HaloRaw Silk Uncut Wood
  99. Leon BridgesGood Thing
  100. Let’s Eat GrandmaI’m All Ears
  101. LoticPower
  102. LowDouble Negative
  103. Luciana SouzaThe Book of Longing
  104. Lucy DacusHistorian
  105. Luiza LianAzul Moderno
  106. Mac DeMarcoOld Dog Demos
  107. MahmundiPara Dias Ruins
  108. Manic Street PreachersResistance Is Futile (Deluxe)
  109. Maria BeraldoCavala
  110. Mariah CareyCaution
  111. Maurício PereiraOutono no Sudeste
  112. Meshell NdegeocelloVentriloquism
  113. Mestre Anderson MiguelSonorosa
  114. MGMTLittle Dark Age
  115. MileenaLook at Me
  116. MitskiBe the Cowboy
  117. MonzaBonsai
  118. MULAMBAMulamba
  119. MuseSimulation Theory (Super Deluxe)
  120. Nap EyesI’m Bad Now
  121. Natalia LafourcadeMusas (Un Homenaje al Folclore Latinoamericano en Manos de Los Macorinos), Vol. 2
  122. Natalie PrassThe Future And The Past
  123. Negra LiRaízes
  124. Neko CaseHell-On
  125. Neneh CherryBroken Politics
  126. Nicola Conte & Spiritual GalaxyLet Your Light Shine On
  127. NonameRoom 25
  128. NothingDance on the Blacktop
  129. Oneohtrix Point NeverAge Of
  130. ParliamentMedicaid Fraud Dogg
  131. Parquet CourtsWide Awake!
  132. Rae MorrisSomeone Out There
  133. Rival ConsolesPersona
  134. RobynHoney
  135. Romulo FróesO Disco das Horas
  136. ROSALÍAEl Mal Querer
  137. SantigoldI Don’t Want: The Gold Fire Sessions
  138. serpentwithfeetsoil
  139. ShoppingThe Official Body
  140. SilvaBrasileiro
  141. Skee MaskCompro
  142. The Smashing PumpkinsSHINY AND OH SO BRIGHT, VOL. 1 / LP: NO PAST. NO FUTURE. NO SUN.
  143. Snail MailLush
  144. Soccer MommyClean
  145. Sofiane Saidi & MazaldaEl Ndjoum
  146. Sons Of KemetYour Queen Is A Reptile
  147. SOPHIEOIL OF EVERY PEARL’S UN-INSIDES
  148. Speedy OrtizTwerp Verse
  149. St. VincentMassEducation
  150. Starchild & The New RomanticLanguage
  151. Stone Temple PilotsStone Temple Pilots (2018)
  152. SuperchunkWhat a Time to Be Alive
  153. Swing Out SisterAlmost Persuaded
  154. Teto PretoPedra Preta
  155. TirzahDevotion
  156. Tom MischGeography
  157. Tord Gustavsen TrioThe Other Side
  158. Tracey ThornRecord
  159. Troye SivanBloom
  160. Ty SegallFudge Sandwich
  161. Ty Segall & White FenceJoy
  162. U.S. GirlsIn a Poem Unlimited
  163. Vários ArtistasAfroindie, Vol. 1
  164. Vince StaplesFM!
  165. WadoPrecariado
  166. The XCERTSHold on to Your Heart
  167. Yo La TengoThere’s a Riot Going On
  168. Young FathersCocoa Sugar

Pra quem quiser ouvir todos os álbuns listados acima, vai aí a playlist

Playlist do Spotify com os 168 álbuns lançados em 2018, em ordem de audição

Incoerências, comoções seletivas e Marielle Franco

Tirei uns minutos pra denunciar e bloquear usuários do Twitter que estavam espalhando o boato da Marielle Franco ser casada com o Marcinho VP. Antes de denunciar, olhei a timeline deles e notei um padrão: Todos continham um tuíte com essa imagem

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Imagem de duas mulheres negras, colhidas dos posts no Twitter

e um texto nessa linha.

“Incoerência. Mulheres negras, pobres, trabalhadoras e brutalmente assassinadas no Rio. Se você nunca ouviu falar delas, é porque não eram militantes de esquerda. Eram policiais.”

Alguns exemplos de tuítes com texto similar a esse:

 

Não citavam nomes, em alguns não citavam que eram do Rio nem que eram policiais. Pra quem queria denunciar a “incoerência”, pelo visto não precisa citar a identidade: só a menção de que eram negras trabalhadoras já seria suficiente para mostrar a seletividade da comoção gerada pela morte da Marielle Franco. Resolvi procurar quem eram essas mulheres. Cortei as imagens de cada uma e fiz busca. Essas são as histórias dessas duas mulheres.

Soldada PM Fabiana Aparecida de Souza

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Soldada PM Fabiana Aparecida de Souza

Fabiana tinha 30 anos. Morreu na noite de 23/07/2012 com um tiro no peito, durante ataque de criminosos à sede da UPP de Nova Brasília, no conjunto de favelas do Alemão, na Zona Norte do Rio. 3 suspeitos foram presos, conforme registrado nessa matéria do Jornal do Brasil.
Nascida em Rio das Flores, Fabiana tinha morado em Valença e antes de ir para o Rio de Janeiro, onde morava com a irmã, Luciana.  Estava na corporação há 4 meses, era uma moça alegre e vivia um momento feliz da vida, disse a irmã em reportagem do jornal O Globo.
Fabiana foi enterrada no dia 25/07/2012 no cemitério do Riachuelo, no centro de Valença, RJ, onde havia morado. Segundo matéria do site R7, centenas de pessoas compareceram ao sepultamento e as ruas no entorno do cemitério ficaram lotadas.

Soldada PM Alda Rafael Castilho

 

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Soldada PM Alda Rafael Castilho,

Alda tinha 27 anos. Morreu no dia 02/02/2014, em troca de tiros na UPP na comunidade Parque Proletário, na Vila Cruzeiro. Os relatos são divergentes: segundo matéria do G1, ela foi atingida com um tiro na cabeça; já por matéria do site R7, ela morreu por causa de um tiro na barriga.
Alda era o orgulho da família, a primeira a entrar na faculdade; cursava Psicologia e seu sonho era ser psicóloga da PM. A mãe, Maria Rosalina Rafael Castilho, ficou devastada com a morte da filha, e se queixou de não ter sido procurada por nenhuma ONG ligada aos direitos humanos, conforme citado em matéria d’O Globo. A mesma matéria contém comentário do José Junior, coordenador da ONG AfroReggae. Ele lamentou a morte de Alda em post na Internet, e também reclamou da falta de indignação: “Não vi as pessoas das ONGs falarem da morte da policial”.
(Observação: o José Junior foi o mesmo que insinuou que o Eduardo de Jesus Ferreira, 10 anos, assassinado por policiais no Complexo de favelas do Alemão em 2015, estava envolvido com o tráfico.)
Alda foi enterrada no dia 03/03/2014 no Cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap, segundo informado no site da Band.
Essas são as histórias da Fabiana e da Alda, soldadas da PM mortas durante o exercício de suas profissão. Essas são as mulheres cujos tuítes supostamente indignados nem se deram ao trabalho de informar os nomes.
Mas alguém sabia quem elas eram: Marielle Franco.

Trabalho da Marielle Franco

Fabiana e Alda foram citadas na dissertação de mestrado da Marielle: “UPP – a redução da favela a três letras : uma análise da política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro”, juntamente com outros 11 policiais mortos até Agosto de 2014. A dissertação da Marielle está no site da UFF e o trecho está na página 99:

Dentre esses mortos estão: Paulo Ricardo Fontes Carreira, 30 anos; Diego Bruno Barbosa Henriques, 25 anos; Anderson Dias Brazuna, 34 anos; Charles Thomaz Barros, 25 anos; Wagner Vieira da Cruz, 33 anos; Leonardo do Nascimento Mendes, 27 anos; Melquisedeque Bastos, 29 anos; Fabiana Aparecida de Souza, 30 anos; Alda Rafael Castilho, 27 anos; Rodrigo de Souza Paes Leme, 33 anos; Leidson Acácio Alves Silva, 27 anos; Fábio Gomes, 30 anos; Wesley dos Santos Lucas, 30 anos. Os seis últimos somente neste ano, até agosto de 2014, nas favelas pacificadas (vide gráfico 1).

A mesma Marielle que sabia os nomes da Fabiana e da Alda é a mesma que também lutava pelos policiais, prestando assistência aos familiares quando estava no gabinete do Marcelo Freixo. Em matéria d’O Dia, Rose Vieira, mãe de Eduardo, policial morto, relata que “[q]uando meu filho foi morto me falaram para procurar os Direitos Humanos. Pensei: ‘Direitos Humanos para policiais?’Foi assim que conheci a Marielle, que passou a cuidar do caso pessoalmente”

Outra matéria do G1 destacando o trabalho de Marielle Franco no apoio aos policiais, cita que:

Quem trabalha na Comissão de Direitos Humanos lamenta que não haja  estrutura para ajudar todas as vítimas. No ano passado, foram mais de  100 policiais mortos — sem contar o auxílio prestado às vítimas civis.  No grupo, não há nem 15 funcionários.

“É uma ajuda que deveria partir do Executivo, da secretaria por exemplo. A Comissão de Direitos Humanos da Alerj ajuda como pode. Às vezes, precisamos pegar o contato com familiares de vítima com a imprensa porque não sabem nem que existimos. A polícia, os bombeiros, as instituições que deveriam ajudar são todas ligadas ao Executivo e não ao Legislativo. Fazemos o que podemos”, diz um dos membros do grupo.

Será que quem reclama dos direitos humanos sabe dessa realidade? Será que a Maria Rosalina Castilho, mãe da Alda, foi orientada corretamente para buscar esse suporte? Não seria o momento de cobrar mais infraestrutura?

Em sua dissertação, Marielle fala o seguinte:

As marcas dos homicídios não estão presentes apenas nas pesquisas, nos números, nos indicadores. Elas estão presentes sobretudo no peito de cada mãe de morador de favela ou mãe de policial que tenha perdido a vida. Nenhuma desculpa pública, seja governamental ou não, oficial ou não, é capaz de acalentar as mães que perderam seus filhos.[…].  Não há como hierarquizar a dor, ou acreditar que apenas será doído para as mães de jovens favelados. O Estado bélico e militarizado é responsável pela dor que paira também nas 16 famílias dos policiais mortos desde o início das UPPs.

Marielle morreu lutando por pessoas como a Fabiana e a Alda. Não vamos deixar a luta dela terminar.