Dentre os vários relógios Disponíveis em várias das lojas Do Paraguai na década de 80 Esse foi o escolhido Por meu pai Para acompanhá-lo Em vários momentos da vida
Esse relógio dourado presenciou Formatura de filhos Casamento de filhos Nascimento de netos Enterros de irmãos, parentes, amigos Festas Bodas de ouro Bodas de diamantes
Esse relógio dourado compareceu a Jogos de futebol Balés Consultas médicas Missas Almoços de família Visitas Velórios
Esse relógio dourado era usado Por meu pai Todos os dias Tirava para tomar banho Dormir Às vezes ficava próximo do travesseiro Ou em cima da mesa Tinha que usá-lo E estava sempre exato
Esse relógio dourado espera Agora Outro pulso
Nas calças Dependuradas no gancho do espelho Estavam o cinto, a carteira de identidade e o dinheiro Ele não fica sem essas três coisas Mesmo dentro de casa
O cinto Por ser bem magro, é necessário Para manter as calças no lugar E sempre combinando Nunca um marrom com calça preta
A carteira de identidade Caso precise se identificar Mesmo ali na frente de casa Mesmo com toda a idade dele
O dinheiro Caso tenha que pagar por algo Cinco, dez, cinquenta Qualquer valor Pelo menos uma nota
Itens pessoais Itens essenciais Para a pessoa que ele é
Os chinelos. Os remédios. As fraldas. Os lenços umedecidos. O pijama. O termômetro. O xampu. O sabonete líquido. O oxímetro. O aparelho de barbear. As meias.
Uma parte de uma vida, representada em uma pequena bolsa.
Todo ano eu tento fazer uma listagem de álbuns lançados no ano que ouvi e quais foram meus preferidos, mas a desorganização sempre venceu e a tal lista ficava só na vontade. Não nesse ano. 🙂 Ouvi 168 álbuns lançados em 2018 (por volta de 3 álbuns por semana). Alguns de artistas que gosto e que sigo a carreira, vários de artistas que conhecia e muitos de artistas que não tinha ouvido falar anteriormente.
Preferidos de 2018
Desses 168 álbuns, 14 foram os meus preferidos. Os critérios adotados para a escolha foram relativamente simples: são os álbuns que ouvi múltiplas vezes, que tinham músicas que achava legais ou instigantes e, mais importante, que me davam vontade de ouvir. São aqueles álbuns que eu me pegava lembrando deles e que, invariavelmente, ia ouvir na sequência.
Sem mais delongas, vai abaixo os meus álbuns preferidos, em ordem alfabética do nome do artista ou banda, com um breve comentário sobre cada um (para ouvir o álbum no Spotify, basta clicar nos nomes do artista ou do álbum):
Esse EP é o sucessor do álbum de estréia da Amber Mark, “3:33 AM” de 2017. São 4 faixas perfeitas, incluindo uma cover da “Love Is Stronger Than Pride” da Sade
Cheguei no terceiro álbum da Ava Rocha via o “Release Radar”, que colocou na lista de lançamentos a ótima “Joana Dark”. Mistura de elementos de percussão de umbanda, MPB, rock e tropicália, é um álbum que foi melhorando a cada vez que ouvia. Além da “Joana Dark”, outras faixas preferidas são “Lilith” e “João Três Filhos”.
O melhor resumo para esse álbum vem do seguinte trecho da faixa título, Bluesman: A partir de agora considero tudo blues O samba é blues, o rock é blues, o jazz é blues O funk é blues, o soul é blues Eu sou Exu do Blues Tudo que quando era preto era do demônio E depois virou branco e foi aceito eu vou chamar de Blues É isso, entenda Jesus é blues Falei mermo
Além dessa faixa, outras que são bacanas são “Me Desculpa Jay Z”, “Minotauro de Borges” e “Preto e Prata”.
16 faixas que variam de músicas bem dançantes, como as ótimas “Illumination” (com a Róisín Murphy), e “Pick Up” (baseada num sampler da “Neither One Of Us” da Gladys Knight & The Pips), a outras mais tranquilas e reflexivas, como “Club der Ewigkeiten” e “Drone Me Up, Flashy”. Daqueles álbuns de ouvir de uma vez só, sem pular nenhuma faixa.
Depois do fantástico “A Mulher do Fim do Mundo”, a Elza Soares continua mantendo a qualidade do trabalho anterior. Mesmo saindo do samba sujo e indo pra uma pegada mais rock, as músicas continuam tendo o mesmo tom crítico do disco anterior. As faixas que mais gostei são “Exu Nas Escolas”, “Hienas Na TV”, “Credo” e “Dentro De Cada Um”.
A música “Tir Ha Mor” (Terra e Mar) apareceu um dia na “Discover Weekly”, agradei do vocal e da música, resolvi ouvir o álbum e acabou que achei muito bacana, mesmo não entendendo uma palavra de cornualhês (sic). Outras músicas que curti são “Jynn-amontya” e “Aremorika”.
Na primeira vez que ouvi o novo álbum do Jack White, não achei nada demais; na segunda já achei mais interessante, mas ainda nada especial. Só na terceira que a ficha caiu. É o Jack White um pouco diferente dos trabalhos anteriores, experimentando mais e fazendo um som mais inesperado. “Connected By Love”, “Corporation”, “Over and Over and Over” e “Respect Commander” merecem a audição.
Uma das gratas surpresas do ano. O que poderia ser um álbum totalmente desarticulado, por ter praticamente cada música de um estilo diferente (bossa nova, pop, regaetton, soul, entre outros), acaba por bem coeso e servir como uma demonstração da capacidade da Kali Uchis de navegar por esse emaranhado musical sem se perder. Gostei de todas as músicas, mas destaco as “Body Language”, ” Flight 22″, “Tyrant” e “After The Storm”.
A melhor definição que vi para esse álbum foi a de “trilha sonora perfeita para bailinho dos anos 80”. Destaque para as músicas “Little Dark Age”, “Me and Michael”, “TSLAMP” e “Hand it Over”.
Punk modernizado para o final dos anos 2010. “Wide Awake” entra fácil em qualquer lista das melhores músicas de 2018. Além dessa, outras que gostei bastante são “Almost Had To Start a Fight / In and Out Of Patience” e “Total Football”
Robyn é uma daquelas artistas que eu tinha uma preguiça imensa. Lia muito a respeito, via o tanto de elogio sobre os discos anteriores, mas, sei lá, meu santo nunca bateu com o dela. Então fui ouvir esse álbum com um bocado de preguiça, mas com o coração aberto. E foi amor à primeira ouvida. 🙂 Agradou tanto que vou revisitar aos álbuns antigos dela. Destaco “Missing U”, “Beach2k20”, “Ever Again” e “Honey”.
Rosalía faz o casamento perfeito entre o flamenco com a música pop, e traz o ritmo para a atualidade, sem soar artificial ou caricata. Gostei especialmente de “MALAMENTE (Cap.1: Augurio)”, “PIENSO EN TU MIRÁ (Cap.3: Celos)” e “BAGDAD (Cap.7: Liturgia)”. Aliás, o vídeo de “MALAMENTE (Cap.1: Augurio)” é uma obra-prima.
Dos 14 álbuns, esse é o que, na minha opinião, mais aponta para o futuro do que será a música. Arranjos incomuns e camadas de sons diferentes aparecem em todas as músicas, desde as mais ‘acessíveis’, como “It’s Okay To Cry”, “Is It Cold In The Water?” e a bela “Infatuation”, como as mais experimentais (“Ponyboy” e “Faceshopping”).
Outro álbum que é uma coleção de músicas de diferentes estilos, mas que também funciona muito bem. “Mad As Hell”, “Rosebud” e “Time” são destaque.
Para quem quiser ouvir os álbuns, eles estão nessa playlist do Spotify
Menções Honrosas
Além dos 14 álbuns preferidos, os 17 álbuns abaixo também frequentaram bem a minha playlist e merecem ser destacados (para ouvir o álbum no Spotify, basta clicar nos nomes do artista ou do álbum):
Tirei uns minutos pra denunciar e bloquear usuários do Twitter que estavam espalhando o boato da Marielle Franco ser casada com o Marcinho VP. Antes de denunciar, olhei a timeline deles e notei um padrão: Todos continham um tuíte com essa imagem
Imagem de duas mulheres negras, colhidas dos posts no Twitter
e um texto nessa linha.
“Incoerência. Mulheres negras, pobres, trabalhadoras e brutalmente assassinadas no Rio. Se você nunca ouviu falar delas, é porque não eram militantes de esquerda. Eram policiais.”
Alguns exemplos de tuítes com texto similar a esse:
Imagem de tuíte com as policiais mortas
Imagem de tuíte com as policiais mortas
Imagem de tuíte com as policiais mortas
Imagem de tuíte com as policiais mortas
Não citavam nomes, em alguns não citavam que eram do Rio nem que eram policiais. Pra quem queria denunciar a “incoerência”, pelo visto não precisa citar a identidade: só a menção de que eram negras trabalhadoras já seria suficiente para mostrar a seletividade da comoção gerada pela morte da Marielle Franco. Resolvi procurar quem eram essas mulheres. Cortei as imagens de cada uma e fiz busca. Essas são as histórias dessas duas mulheres.
Soldada PM Fabiana Aparecida de Souza
Soldada PM Fabiana Aparecida de Souza
Fabiana tinha 30 anos. Morreu na noite de 23/07/2012 com um tiro no peito, durante ataque de criminosos à sede da UPP de Nova Brasília, no conjunto de favelas do Alemão, na Zona Norte do Rio. 3 suspeitos foram presos, conforme registrado nessa matéria do Jornal do Brasil.
Nascida em Rio das Flores, Fabiana tinha morado em Valença e antes de ir para o Rio de Janeiro, onde morava com a irmã, Luciana. Estava na corporação há 4 meses, era uma moça alegre e vivia um momento feliz da vida, disse a irmã em reportagem do jornal O Globo.
Fabiana foi enterrada no dia 25/07/2012 no cemitério do Riachuelo, no centro de Valença, RJ, onde havia morado. Segundo matéria do site R7, centenas de pessoas compareceram ao sepultamento e as ruas no entorno do cemitério ficaram lotadas.
Soldada PM Alda Rafael Castilho
Alda tinha 27 anos. Morreu no dia 02/02/2014, em troca de tiros na UPP na comunidade Parque Proletário, na Vila Cruzeiro. Os relatos são divergentes: segundo matéria do G1, ela foi atingida com um tiro na cabeça; já por matéria do site R7, ela morreu por causa de um tiro na barriga.
Alda era o orgulho da família, a primeira a entrar na faculdade; cursava Psicologia e seu sonho era ser psicóloga da PM. A mãe, Maria Rosalina Rafael Castilho, ficou devastada com a morte da filha, e se queixou de não ter sido procurada por nenhuma ONG ligada aos direitos humanos, conforme citado em matéria d’O Globo. A mesma matéria contém comentário do José Junior, coordenador da ONG AfroReggae. Ele lamentou a morte de Alda em post na Internet, e também reclamou da falta de indignação: “Não vi as pessoas das ONGs falarem da morte da policial”.
(Observação: o José Junior foi o mesmo que insinuou que o Eduardo de Jesus Ferreira, 10 anos, assassinado por policiais no Complexo de favelas do Alemão em 2015, estava envolvido com o tráfico.)
Alda foi enterrada no dia 03/03/2014 no Cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap, segundo informado no site da Band.
Essas são as histórias da Fabiana e da Alda, soldadas da PM mortas durante o exercício de suas profissão. Essas são as mulheres cujos tuítes supostamente indignados nem se deram ao trabalho de informar os nomes.
Mas alguém sabia quem elas eram: Marielle Franco.
Trabalho da Marielle Franco
Fabiana e Alda foram citadas na dissertação de mestrado da Marielle: “UPP – a redução da favela a três letras : uma análise da política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro”, juntamente com outros 11 policiais mortos até Agosto de 2014. A dissertação da Marielle está no site da UFF e o trecho está na página 99:
Dentre esses mortos estão: Paulo Ricardo Fontes Carreira, 30 anos; Diego Bruno Barbosa Henriques, 25 anos; Anderson Dias Brazuna, 34 anos; Charles Thomaz Barros, 25 anos; Wagner Vieira da Cruz, 33 anos; Leonardo do Nascimento Mendes, 27 anos; Melquisedeque Bastos, 29 anos; Fabiana Aparecida de Souza, 30 anos; Alda Rafael Castilho, 27 anos; Rodrigo de Souza Paes Leme, 33 anos; Leidson Acácio Alves Silva, 27 anos; Fábio Gomes, 30 anos; Wesley dos Santos Lucas, 30 anos. Os seis últimos somente neste ano, até agosto de 2014, nas favelas pacificadas (vide gráfico 1).
A mesma Marielle que sabia os nomes da Fabiana e da Alda é a mesma que também lutava pelos policiais, prestando assistência aos familiares quando estava no gabinete do Marcelo Freixo. Em matéria d’O Dia, Rose Vieira, mãe de Eduardo, policial morto, relata que “[q]uando meu filho foi morto me falaram para procurar os Direitos Humanos. Pensei: ‘Direitos Humanos para policiais?’Foi assim que conheci a Marielle, que passou a cuidar do caso pessoalmente”
Outra matéria do G1 destacando o trabalho de Marielle Franco no apoio aos policiais, cita que:
Quem trabalha na Comissão de Direitos Humanos lamenta que não haja estrutura para ajudar todas as vítimas. No ano passado, foram mais de 100 policiais mortos — sem contar o auxílio prestado às vítimas civis. No grupo, não há nem 15 funcionários.
“É uma ajuda que deveria partir do Executivo, da secretaria por exemplo. A Comissão de Direitos Humanos da Alerj ajuda como pode. Às vezes, precisamos pegar o contato com familiares de vítima com a imprensa porque não sabem nem que existimos. A polícia, os bombeiros, as instituições que deveriam ajudar são todas ligadas ao Executivo e não ao Legislativo. Fazemos o que podemos”, diz um dos membros do grupo.
Será que quem reclama dos direitos humanos sabe dessa realidade? Será que a Maria Rosalina Castilho, mãe da Alda, foi orientada corretamente para buscar esse suporte? Não seria o momento de cobrar mais infraestrutura?
Em sua dissertação, Marielle fala o seguinte:
As marcas dos homicídios não estão presentes apenas nas pesquisas, nos números, nos indicadores. Elas estão presentes sobretudo no peito de cada mãe de morador de favela ou mãe de policial que tenha perdido a vida. Nenhuma desculpa pública, seja governamental ou não, oficial ou não, é capaz de acalentar as mães que perderam seus filhos.[…]. Não há como hierarquizar a dor, ou acreditar que apenas será doído para as mães de jovens favelados. O Estado bélico e militarizado é responsável pelador que paira também nas 16 famílias dos policiais mortos desde o início das UPPs.
Marielle morreu lutando por pessoas como a Fabiana e a Alda. Não vamos deixar a luta dela terminar.